Estudar Geografia | Lugar para Compreender o Mundo

Estudar Geografia | Lugar para Compreender o Mundo

Estudar Geografia | Lugar para Compreender o Mundo

Helena C. Callai

Muitas vezes sabemos coisas do mundo, admiramos paisagens maravilhosas, nos deslumbramos por cidades distantes, temos informações de acontecimentos exóticos ou interessantes de vários lugares que nos impressionam, mas não sabemos o que existe e o que está acontecendo no lugar em que vivemos.

Em Geografia uma das questões mais significativas ao tratar do que estudar diz respeito à escala de análise que será considerada. Ao estudar o espaço geográfico, a delimitação do mesmo é um passo necessário, pois que o espaço é imenso, planetário, mundial. O que dele/nele estudar? Para dar conta da delimitação deve-se fazer a referência à escala social de análise, que em seus vários níveis, encaminha a recortes que elegem determinada extensão territorial. Estes níveis são o “local, o regional, o nacional, o global”. As regras podem ser gerais, os interesses universais, mas concretamente se materializam em algum lugar específico. É o nível do local que traz em si o global, assim como o regional e o nacional.

Na literatura geográfica, o lugar está presente de diversas formas. Estudá-lo é fundamental, pois ao mesmo tempo que o mundo é global, as coisas da vida, as relações sociais se concretizam nos lugares específicos. E como tal a compreensão da realidade do mundo atual se dá a partir dos novos significados que assume a dimensão do espaço local. A globalização e a localização, fragmentando o espaço, exigem que se pense dialeticamente esta relação, pois, “cada lugar é, à sua maneira, o mundo... A história concreta do nosso tempo repõe a questão do lugar numa posição central”. (Santos, 1996: 152).

Estudar e compreender o lugar, em Geografia, significa entender o que acontece no espaço onde se vive para além das suas condições naturais ou humanas. Muitas vezes as explicações podem estar fora, sendo necessário buscar motivos tanto internos quanto externos para se compreender o que acontece em cada lugar.

O espaço construído resulta da história das pessoas, dos grupos que nele vivem, das formas como trabalham, como produzem, como se alimentam e como fazem/usufruem do lazer. Isto resgata a questão da identidade e a dimensão de pertencimento. É fundamental, neste processo, que se busque reconhecer os vínculos afetivos que ligam as pessoas aos lugares, às paisagens e tornam significativo o seu estudo.

Compreender o lugar em que vive, permite ao sujeito conhecer a sua história e conseguir entender as coisas que ali acontecem. Nenhum lugar é neutro, pelo contrário, é repleto de história e com pessoas historicamente situadas num tempo e num espaço, que pode ser o recorte de um espaço maior, mas por hipótese alguma é isolado, independente. “Cada lugar é, ao mesmo tempo, objeto de uma razão global e de uma razão local, convivendo dialeticamente”. (Santos, 1996: 273). Do entendimento desta relação, dos movimentos que são contraditórios, inclusive, encaminha-se à compreensão do mundo. Estudar o lugar, portanto, passa a ser um desafio constante para as nossas aulas de Geografia.

As várias possibilidades de estudar o lugar anto os livros didáticos, quanto as proposições de sala de aula exploram de variadas formas o estudo do lugar. Como desafio, podemos pensar estas questões a partir de um texto extraído de “Aventuras de Alice” de Lewis Carroll (1980: 41-46).

O lugar como categoria de análise pressupõe que se vislumbre o espaço geográfico – objeto de estudo – considerado em seus aspectos relativos e relacionais ao contexto em que se insere. Estudar uma nação (Brasil, por exemplo), uma unidade da federação (estado do Rio Grande do Sul, por exemplo), uma cidade, ou uma região supõe conhecer o lugar, o que existe nele e sua localização no conjunto do espaço.

Buscar, no referido extrato de texto, um caminho metodológico para a aprendizagem do lugar pode ser uma possibilidade e até muito interessante, mas o tomemos como desafio para verificar o que estão propondo as questões e, a partir daí, constatar a importância de caracterizar o lugar em sua estrutura interna, contextualizá-lo, entender os seus limites, e especialmente, buscar as explicações de por que as coisas acontecem e aparecem assim como ali estão.

Pode-se desenvolver uma reflexão também a partir da reescrita do referido texto, e esta pode ser feita de duas formas pelo menos: escrevendo um texto e escrevendo (representando) cartograficamente o que ali está escrito.

O estudo do lugar pode se estender para muito além do texto. E pode-se utilizar outros recursos como a observação de uma paisagem ao vivo ou uma figura desta mesma paisagem, fotografias, vídeos, filmes etc. Esse estudo pode situar-se no início do desenvolvimento de uma determinada unidade, assim como no seu fechamento, mas pode também ser a unidade de estudo. É sempre conveniente reafirmar que os conteúdos em si são mais do que simples informações a serem aprendidas, eles devem significar a possibilidade de se aprender a pensar. No caso da Geografia, aprender a pensar através de conteúdos que lhes digam respeito, que lhe sejam específicos.

Todas as atividades realizadas serão, então, no sentido de decodificar o espaço, sua imagem (aparência) e os processos que ele encerra no sentido da sua produção – as relações que se estabelecem entre os vários grupos sociais, entre os homens e destes com a natureza. Enfim, tentar desvendar a essência dos processos que geraram tal aparência.

O mapa como a possibilidade de representar o espaço
Com relação à representação cartográfica do lugar, poderíamos nos perguntar: como Alice representaria o que ela fala? Como poderia ser um mapa do texto de Alice? Como você o faria?

É importante saber ler o espaço, e uma das formas é através do mapa, pois “um leitor crítico do espaço é aquele capaz de ler o espaço real e a sua representação, o mapa”. (Passini, 1994: 17). Os mapas, em geral, representam uma coisa meio mágica, e até de certa forma incompreensível, embora sejam usados por muitas pessoas e em situações diversas. Cabe-nos, na Geografia, conseguir trabalhar com o mapa como o resultado da síntese de um determinado espaço, seja produzindo-o a partir de observações, de informações e de dados coletados, seja fazendo sua leitura para conhecer determinado lugar. Ele sempre será uma fonte de informação.

Ao fazer um mapa, por mais simples que ele seja, o estudante estará tendo oportunidade de realizar atividades de observação e de representação. Ao desenhar o trajeto que percorre diariamente, ele verificará até aspectos que não percebia, poderá levantar questionamentos, procurar explicações, fazer críticas e até tentar achar soluções. Além do trajeto, podem ser mapeados espaços de extensão diversos, como a casa, a sala de aula, o pátio da escola, as vizinhanças, uma indústria e até áreas maiores. Vários conceitos passam a ter significado para os alunos, a serem melhor entendidos, e ao mesmo tempo desenvolvem-se muitas habilidades. A capacidade de o aluno fazer a representação de um determinado espaço significa muito mais do que aprender Geografia, sendo um exercício que favorecerá a construção do conhecimento e o desenvolvimento da criatividade.

Princípios teórico-metodológicos de uma aula de Geografia
O processo de ensino-aprendizagem supõe um determinado conteúdo e certos métodos. Porém, acima de tudo, é fundamental que se considere que a aprendizagem é um processo do aluno, e as ações que se sucedem devem necessariamente ser dirigidas à construção do conhecimento por esse sujeito ativo.
Tal processo supõe, igualmente, uma relação de diálogo entre professor e aluno que se dá a partir de posições diferenciadas, pois o professor continua sendo professor, é o responsável pelo planejamento e desenvolvimento das atividades, criando condições para que se efetive a aprendizagem por parte do aluno.

Sem que exista um consistente planejamento fica difícil dar conta da tarefa. O professor precisa ter clareza tanto do processo pedagógico como conhecer bem os conteúdos a serem trabalhados.

O aluno precisa assumir o papel de querer aprender, ter perguntas a fazer, e não simplesmente esperar que o professor fique falando, ouvir simplesmente.

Uma Consciência Espacial
O conteúdo da Geografia, neste contexto, é o material necessário para que o aluno construa o seu conhecimento, aprenda a pensar. Aprender a pensar significa elaborar, a partir do senso comum, do conhecimento produzido pela humanidade e do confronto com os outros saberes (do professor, de outros interlocutores), o seu conhecimento. Este conhecimento, partindo dos conteúdos da Geografia, significa “uma consciência espacial” das coisas, dos fenômenos, das relações sociais que se travam no mundo.

O espaço é construído ao longo do processo de construção da própria sociedade. As relações sociais que ocorrem se materializam em edificações que podem ser observadas fisicamente. São as paisagens dos lugares. E se existe uma materialização física da vida, concretizada no espaço, cabe-nos na Geografia fazer o estudo e a interpretação desta realidade, a partir da análise espacial, sem ficar na aparência apenas. São necessários determinados pressupostos básicos para que se possa compreender o espaço construído pelos homens, que passaremos a analisar.

O Olhar Espacial
O olhar espacial é o modo de fazer Geografia (o método a usar), é como devemos estudar a realidade. Uma realidade que tenha a ver com a vida dos alunos.

O olhar espacial supõe desencadear o estudo de determinada realidade social, verificando as marcas inscritas nesse espaço. O modo como se distribuem os fenômenos e a disposição espacial que assumem representam muitas questões, que por não serem visíveis têm que ser descortinadas, analisadas através daquilo que a organização espacial está mostrando.

A Natureza na Análise Geográfica
Ocorre que, na sua trajetória de vida, a sociedade constrói o espaço, subordinando cada vez mais a natureza às suas regras, devido aos avanços da tecnologia e pelas possibilidades de prevenção e planejamento, o que permite encurtar distâncias, alterar a qualidade dos solos, amainar as características do clima, reorientar o leito dos rios, aumentar a extensão dos territórios, drenando áreas e aterrando-as, considerando-se essas apenas algumas das alterações que o homem faz no curso da natureza.

Esta lógica da natureza precisa ser considerada e deve ser objeto de análise da Geografia, muito embora, seja fundamental que não se esbarre em determinismos físicos. O entendimento da trajetória da natureza é um dado que se requer como ponto de referência, como pano de fundo para a análise geográfica.

Como considerar a natureza na análise geográfica é, portanto, outro ponto a ser considerado.

Se o espaço é construído pela sociedade, pelos homens, a partir de seu trabalho e de sua vida, a natureza torna-se um recurso de que ela (a sociedade) dispõe, algumas vezes condicionando o desenvolvimento, noutras facilitando. E como tal, é que deve ser considerado, e não como determinante do que o homem pode ou não fazer, de como o espaço deve ou não ser estudado.

A Paisagem
A paisagem revela a realidade do espaço em um determinado momento do processo. O espaço é construído ao longo do tempo de vida das pessoas, considerando a forma como vivem, o tipo de relação que existe entre elas e que estabelecem com a natureza. Dessa forma, o lugar mostra, através da paisagem, a história da população que ali vive, os recursos naturais de que dispõe e a forma como se utiliza de tais recursos.

A paisagem é o resultado do processo de construção do espaço.

Cada um vê a paisagem a partir de sua visão, de seus interesses, de sua concepção.

A aparência da paisagem, portanto, é única, mas o modo como a apreendemos poderá ser diferenciado. Embora na aparência as formas estejam dispostas e apresentadas de modo estático, não são assim por acaso. A paisagem, pode-se dizer, é um momento do processo de construção do espaço. O que se observa é, portanto, resultado de toda uma trajetória, de movimentos da população em busca de sua sobrevivência e da satisfação de suas necessidades (que são historicamente situados), mas também pode ser resultante de movimentos da natureza. Esta paisagem precisa ser apreendida para além do que é visível, observável. Esta apreensão é a busca das explicações do que está por detrás da paisagem, a busca dos significados do que aparece.

Estudar as paisagens é portanto interessante para se poder compreender a realidade. “As paisagens trazem a marca das culturas e, ao mesmo tempo, as influenciam” (Claval, 1999: 318), e “é na imensa maioria dos casos um produto não planificado da atividade humana” (p. 315). Elas vão surgindo à medida em que os homens vão vivendo e produzindo as suas vidas. As paisagens locais, na maioria das vezes, fazem parte das vidas particulares das pessoas que vivem no lugar. Portanto agrega-se a essas paisagens, além de um valor afetivo, um sentido estético capaz de marcar no imaginário das pessoas a identidade do lugar.

“A paisagem é um conjunto heterogêneo de formas naturais e artificiais, é formada por frações de ambas”. (Santos, 1988: 65). Poder-se-ia dizer, então, que algumas paisagens são artificiais, quer dizer, transformadas pelo homem, e que outras, as naturais, ainda não sofreram interferência do homem. No entanto, hoje, podemos observar lugares que são basicamente naturais, com vegetação nativa e as características de equilíbrio ambiental, que não poderiam ser caracterizados unicamente como paisagem natural, uma vez que de alguma forma houve interferência humana, causando modificações concretas naquele lugar.

A eEstrutura e Formação do Espaço
O espaço pode ser analisado em sua estrutura e em sua formação. Em geral, diz-se na escola que cabe à Geografia estudar o presente, que seria a organização espacial atual, e que a história deste espaço caberia à disciplina de História. De modo simplório, isto quer dizer que a Geografia deveria circunscrever o seu estudo a descrições de lugares, tais como estes se apresentam no momento.

Digamos que, para uma análise significativa, pode-se partir da estrutura de um determinado espaço, fazer a descrições e análises de tudo o que é visível – de toda a paisagem. E aí entra a necessidade de explicar estas descrições, de fundamentá-las. E isto nos é dado pela formação do espaço. É necessário entender a trajetória da construção do espaço, é preciso estabelecer e entender as relações entre os fenômenos que vão se encadeando para formar o espaço. A análise do espaço deve ocorrer a partir de um vaivém constante entre a descrição, as relações, as explicações do aparente e a busca de justificativas desta aparência.

A difícil Seleção dos Conteúdos
Uma educação que tem como objetivo a autonomia do sujeito passa por municiar o aluno de instrumentos que lhe permitam pensar, ser criativo e ter informações a respeito do mundo em que vive. O processo de construção do conhecimento é, pois, uma tarefa que o estudante deve realizar, e o nosso grande desafio como professores é oportunizar-lhe as condições para tanto. Um dilema muito presente na Geografia é o que fazer com tanta informação possível em relação a cada conteúdo. Cada vez se torna mais claro que a escola não é o lugar da informação, mas da busca e da organização da informação no sentido da construção do conhecimento. Nomes de rios, de cidades, acontecimentos tais como a erupção de vulcões, a ocorrência de vendavais, ciclones e tornados, guerras, guerrilhas, incorporação de áreas por outras nações são informações que fazem parte do dia-a-dia da maioria das escolas. A grande questão, entretanto, é auxiliar o aluno a organizá-las no sentido de entendimento sobre como tais processos naturais e fenômenos atingem a vida das pessoas.

Os conteúdos da Geografia, que têm como meta estudar o mundo, são extremamente vastos e cada vez mais vão aumentando, o que significa que deve ser feita uma seleção destes, o que tem sido uma tarefa bastante árdua para os professores. No dizer de Lacoste (1988: 52), “embora há muito se tenha julgado indispensável, em outras disciplinas, definir uma problemática, os geógrafos continuaram a atuar como se lhes coubesse ler, sem problemas, o grande livro aberto da natureza”. A dificuldade de selecionar o conteúdo para ser trabalhado em aula coloca ao professor de Geografia constantemente o dilema de o que tratar. Esta seleção é parte do processo de planejamento.

Para Coll (1998: 12), “os conteúdos designam o conjunto de conhecimentos ou formas culturais cuja assimilação e apropriação pelos alunos e alunas é considerada essencial para o seu desenvolvimento e socialização”. A humanidade tem continuadamente produzido um conhecimento que é patrimônio posto à nossa disposição para poder compreender o mundo. Este conhecimento é, ao ser apropriado pelo sujeito, um poderoso instrumento para construir a cidadania.

Embora considerando-se a especificidade do tratamento que está sendo dado pelo autor à temática referente aos conteúdos, pode-se trazer as suas ponderações às nossas discussões para compreender o significado do conteúdo no estudo do lugar. Em resumo, não pode ser dispensado, de modo algum, e não pode ser endeusado. Tem que ser considerado em sua importância e significado para a realização da tarefa escolar.


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