Geografia | Introdução aos Estudos Geográficos

Geografia | Introdução aos Estudos Geográficos

Geografia | Introdução aos Estudos Geográficos

Ao longo da História os grupos humanos gradativamente foram transformando a natureza com o objetivo de garantir sua subsistência e melhorar a qualidade de vida. Com isso, o espaço geográfico foi ficando cada vez mais artificializado. Pela ação do trabalho humano, novas técnicas foram desenvolvidas e incorporadas ao território. De um meio natural o homem avançou para um meio cada vez mais técnico: expandiram-se as áreas agrícolas, desenvolveram-se as cidades e as indústrias, construíram-se estradas, portos, hidrelétricas, etc. De acordo com o geógrafo Milton Santos (1926-2001), em diversas regiões a incorporação de ciência e técnica, de informação e conhecimento ao território constituiu o chamado meio técnico-científico-informacional.

Poucas áreas da superfície terrestre ainda não sofreram transformações. E mesmo naquelas intocadas, como muitas no interior da floresta Amazônica ou do continente antártico, o território está delimitado e sob controle político – sujeito a soberania nacional ou a acordos internacionais. Sobre esses territórios atuam interesses de diferentes grupos, que buscam sua preservação ou que desejam explorá-los: uns de forma sustentável, outros de forma predatória. Assim, podemos dizer que mesmo em um meio natural, aparentemente intocado, existem relações políticas, econômicas, culturais e ambientais que nem sempre são visíveis na paisagem.

A paisagem é a aparência da realidade geográfica, aquilo que nossa percepção, especialmente a visual, capta. Embora as paisagens materializem relações sociais, econômicas e políticas travadas entre os grupos humanos, essas relações não são facilmente percebidas. Desvendá-las requer observação, estudo e pesquisa, sendo esse o caminho para que o espaço seja apreendido em sua essência. Podemos dizer, então, que o espaço geográfico é formado tanto pela sociedade como pela paisagem permanentemente construída e reconstruída por aquela. A paisagem expressa a sociedade e a natureza; é composta de objetos artificiais ou culturais (construídos pelo trabalho humano) e de objetos naturais ( frutos dos processos da natureza). O espaço materializa todos esses objetos mais as relações humanas que se desenvolvem na vida em sociedade. Para ilustrar essas relações e evidenciar a diferença entre paisagem e espaço, Milton Santos afirmou que, se eventualmente a humanidade fosse extinta, teríamos o fim da sociedade e consequentemente do espaço geográfico, mas a paisagem construída permaneceria.

Para compreender o espaço geográfico, portanto, precisamos entender as relações sociais e as marcas deixadas pelos grupos humanos na paisagem no decorrer da História. Na verdade, precisamos entender as relações próprias da natureza, as relações próprias da sociedade e, de forma integrada, as relações entre a sociedade e a natureza. É a isso que a Geografia, como ciência, se dedica hoje e é por isso que estudamos essa disciplina na escola.

A origem da Geografia é antiga. Desde a Antiguidade muitos pensadores elaboraram estudos considerados geográficos, embora o conhecimento fosse disperso e desarticulado, vinculado à Filosofia, à Matemática e às ciências da natureza. Na Grécia antiga, Heródoto (484 a.C.-420 a.C.), Eratóstenes (275 a.C.-194 a.C.) e Estrabão (63 a.C.-entre 21 e 25 d.C.), entre outros, analisaram a dinâmica dos fenômenos naturais, elaboraram descrições de paisagens e estudaram a relação homem-natureza. Mesmo durante o período em que estiveram sob o domínio romano, os gregos continuaram desenvolvendo seus estudos teóricos3. Nas obras de Cláudio Ptolomeu, como Sintaxe Matemática e Geographia, encontram-se importantes registros geográficos, cartográficos e astronômicos. Ele viveu em Alexandria, aproximadamente entre os anos 100 e 180 de nossa era, período em que o Egito era parte do Império Romano, mas seus estudos só foram redescobertos séculos depois no mundo ocidental (os árabes preservaram esses conhecimentos e os legaram aos europeus). Os conhecimentos herdados de Ptolomeu, como o de um sistema de projeção e coordenadas, ajudaram na produção de mapas mais precisos, fundamentais para a expansão marítima europeia a partir do final do século XV.

No século XVIII diversos filósofos contribuíram para o desenvolvimento da Geografia, com destaque ao alemão Immanuel Kant (1724-1804), um dos primeiros a se preocupar com a sistematização do conhecimento geográfico. Kant influenciou fortemente seus compatriotas fundadores da Geografia como ciência: Alexander von Humboldt (1769-1859) e Karl Ritter (1779-1859). Humboldt foi um importante explorador, fez viagens pela América e em Cosmos, sua obra maior, sintetizou anos de estudos geográficos. Em meados do século XIX esses dois cientistas alemães iniciaram a sistematização do arcabouço teórico-metodológico da Geografia, que gradativamente se transformou em disciplina acadêmica, passando a ser pesquisada e ensinada nas universidades.

No século XIX, em diversos países europeus, começaram a ser implantados os sistemas nacionais de ensino, e a Geografia apareceu como uma das disciplinas escolares. Entretanto, diferentemente do que muitos pensam, a Geografia escolar não é derivada da Geografia acadêmica. Ao contrário, foi a presença da disciplina nos sistemas escolares nascentes que levou à necessidade de criação de cursos universitários voltados para a formação de professores da escola básica (no início, o ensino de Geografia ficava a cargo de profissionais formados em outras áreas). Isso aconteceu não apenas na Alemanha, mas na França, na Grã-Bretanha, entre outros países europeus, e, embora um pouco mais tarde, também no Brasil e em outros países latino-americanos (nos Estados Unidos, até hoje a Geografia é pouco difundida no currículo da escola básica, cerca de metade dos estados norte-americanos não a oferecem aos estudantes).

No Brasil a Geografia entrou, em 1837, no currículo do Colégio Pedro II, então fundado no Rio de Janeiro para ser uma escola-modelo para o país, mas somente quase cem anos depois foi criado o primeiro curso superior de Geografia na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, fundada em 1934. Foi a partir da década de 1930 que começou a gradativa expansão do sistema escolar no Brasil e a Geografia manteve-se em todos os anos do Ensino Fundamental e Médio.

No final do século XIX, outro importante pesquisador alemão – Friedrich Ratzel (1844-1904) – definiu a Geografia como ciência humana, embora na prática a tenha tratado como ciência natural. Considerou a influência que as condições naturais exercem sobre a humanidade como objeto de estudo da disciplina. Seus discípulos radicalizaram suas ideias, dando origem ao “determinismo geográfico”. Além disso, Ratzel foi um dos principais formuladores da Geopolítica. A relação entre o Estado e o espaço é central em sua obra mais importante – Antropogeografia. Segundo ele, a partir do momento em que uma sociedade se organiza para defender um território, transforma-se em Estado. Donde se depreende que o território é o espaço geográfico sob o controle de um poder instituído – o Estado nacional. Porém, há situações em que outros agentes podem controlar um território, por exemplo, um grupo guerrilheiro, muitas vezes, em disputa com um Estado legalmente constituído.

No início do século XX, um geógrafo francês – Paul Vidal de la Blache (1845-1918) – passou a criticar o método puramente descritivo e a defender que a Geografia se preocupasse com a relação homem-meio, posicionando os seres humanos como agentes que sofrem influência da natureza, mas que também agem sobre ela, transformando-a. Ele inaugurava, em contraposição ao “determinismo”, uma corrente teórica conhecida como “possibilismo”, ambas posteriormente rotuladas como “Geografia tradicional”. A Geografia lablachiana, embora tenha avançado em relação à visão naturalista de Ratzel, não rompeu totalmente com ela; a disciplina continuava sendo uma ciência dos lugares, não dos homens.

Assim, até meados do século XX a grande maioria dos geógrafos se limitava a descrever as características físicas, humanas e econômicas das diversas formações socioespaciais, procurando estabelecer comparações e diferenciações entre elas. Nesse período desenvolveu-se a Geografia regional, fortemente influenciada pela escola francesa, e o conceito de região ganhou importância na análise geográfica.

A região pode ser conceituada como uma determinada área da superfície terrestre, com extensão variável, que apresenta características próprias e particulares que a diferencia das demais. Desde então o conceito de região ficou associado à categoria de particularidade e pode ser definido por diversos critérios. A região pode ser natural, quando o critério de distinção é a paisagem natural, ou geográfica, se a diferenciação for econômica, social ou cultural. Antes as regiões tinham relativa autonomia sociocultural e econômica e os estudos de Geografia regional eram dominantes. Atualmente, com o avanço da globalização capitalista, as regiões se modernizam e estabelecem cada vez mais relações entre si – as conexões aumentaram significativamente –, o que tem reduzido o isolamento e a diferenciação entre elas.

Embora tenha um importante papel no desenvolvimento da Geografia como ciência, a Geografia tradicional nos legou um ensino escolar centrado na memorização de lugares, dados estatísticos sobre população e economia, características físicas de relevo, clima, vegetação e hidrografia. Essa estrutura perdurou até a segunda metade do século XX, quando a descrição das paisagens, com seus fenômenos naturais e sociais, passou a ser realizada de forma mais eficiente e atraente pela televisão. A partir daí, os geógrafos foram obrigados a buscar novos objetos de estudo que permitissem à Geografia sobreviver como disciplina escolar no Ensino Básico e como ramificação das ciências humanas em nível universitário.

O processo de mudança do objeto de estudo da disciplina teve seu divisor de águas na década de 1970, quando a Geografia – universitária e escolar – passou por uma efervescente renovação em suas bases teórico-metodológicas. Esse processo teve como pioneiro o geógrafo francês Yves Lacoste (1929), que em 1976 publicou A Geografia: isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra. Essa obra balançou as estruturas da Geografia tradicional ao denunciá-la como instrumento ideológico a serviço de interesses políticos e econômicos dominantes. Mas, ao mesmo tempo, indicou caminhos para a renovação crítica da disciplina. Lacoste denunciou a existência da “Geografia dos Estados-maiores” – a serviço do Estado e do capital, ou seja, a Geopolítica – e da “Geografia dos professores” – ensinada nas salas de aula de universidades e escolas básicas e materializada nos manuais didáticos. Segundo ele, a última acabava cumprindo a função de mascarar o papel da Geopolítica e seus vínculos com os interesses dominantes. No Brasil, um dos pioneiros nesse processo de renovação foi o geógrafo Milton Santos, com a obra Por uma Geografia nova, de 1978.

Enquanto a renovação na França e no Brasil teve forte influência do pensamento de esquerda, sobretudo do marxismo, nos Estados Unidos a contraposição à corrente tradicional foi a Geografia quantitativa ou pragmática. Essa vertente da renovação condenava o atraso tecnológico da Geografia tradicional e passou a utilizar sistemas matemáticos e computacionais na interpretação do espaço geográfico. Essa corrente tecnicista e utilitarista, que mascarava os conflitos e as contradições sociais denunciados pelos geógrafos críticos.

O fim do socialismo real reduziu a influência do marxismo nas ciências humanas, o que abriu caminho para a difusão de outras correntes teórico-metodológicas na Geografia crítica, como a fenomenologia e o existencialismo, ao mesmo tempo que as correntes críticas passaram a valorizar as novas tecnologias – computadores, satélites, sistemas de informações geográficas (SIG), etc. – na leitura e interpretação do espaço geográfico.

Atualmente, depois de mais de um século nos currículos escolares, de mais de três décadas de renovação teórica e com o avanço da globalização, em suas dimensões econômica, social e cultural, consolida-se a certeza de que a Geografia é uma disciplina fundamental para a compreensão do mundo contemporâneo e de seus problemas – a produção e o consumo, a questão ambiental, o caos urbano, as crises financeiras, entre tantos outros, em diferentes escalas geográficas – e para a formação de cidadãos e trabalhadores mais bem preparados.

Portanto cabe à Geografia – universitária e escolar – compreender as relações próprias da natureza, as relações próprias da sociedade e, de forma mais abrangente e integrada, as relações entre a sociedade e a natureza e suas consequências socioambientais.

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