Arte e Cultura da África
A arte tradicional africana, sempre impregnada de significado mágico, exerceu papel fundamental para a identidade e coesão das sociedades locais. Lembra a arte popular do ocidente no fato de que é a comunidade que dá ao artista inspiração e modelo. Reflete com fidelidade, mesmo quando em traços abstratos, uma concepção do mundo e da vida que identifica o universo tribal.
Centros mais antigos. Benin. Na África ocidental, entre o Togo e a Nigéria, no século XV e início do XVI, o Benin concentrou preciosas manifestações artísticas em objetos de marfim, como colheres, taças, animais (pássaros, leopardos, serpentes, crocodilos), e de bronze, como impressionantes figuras humanas, entre as quais reis e rainhas trajados para suas cerimônias, máscaras, sinos, cofres imitando palácios.
Ife. Cidade sagrada dos ioruba no sudoeste da atual Nigéria, continha obras de arte do século XIII, localizadas pelo etnólogo alemão Leo Frobenius. Vários tipos étnicos da região estão representados em máscaras de barro cozido, mas também há outras, notáveis, de latão. Uma das principais tradições artísticas do lugar era a escultura em pedra: daí os assentos de quartzo de forma humana e com asas, geralmente retratando pessoas da família real.
Nok. No vale do rio Benuê e no norte da Nigéria, na localidade de Nok, acharam-se obras que remontam à mais antiga cultura da África negra, entre os séculos V e I a.C.: não têm estilização, são utensílios de motivos florais, joias, artefatos de ferro e de pedra.
Nomoli ou nomori. No oeste da Libéria e em muitos pontos da savana, mas particularmente nos sepulcros, há estranhas figuras em pedra-sabão, sentadas de pernas cruzadas, ajoelhadas ou montadas, trazendo escudos e lanças como os dos portugueses que ali chegaram no século XVI. Atribuídas aos antigos habitantes da região, os sherbro, hoje são cultuadas pelos mende, que lhes oferecem sacrifícios e lhes aplicam surras de pau, se não se sentem atendidos em suas preces.
Zimbábue. Entre os séculos V e X estabeleceram-se reinos poderosos na savana da África oriental, de que restam monólitos, ruínas de templos e castelos, construções subterrâneas. Dos mais significativos é o conjunto arquitetônico de Mashonaland, nas proximidades de Harare, antiga Salisbury. Nessa região encontram-se trabalhos fascinantes em pedra-sabão __ recipientes em forma de cabeça de animal para guardar as vísceras dos mortos ilustres, objetos decorados com motivos vegetais (como o renovo das trepadeiras), além de águias, tigelas com figuras em relevo e jarros com os símbolos do zodíaco.
Regiões artísticas. A arte tradicional desse grande e tão diversificado continente apresenta em sua distribuição constantes e contrastes que correspondem expressivamente às variações das terras e das gentes. Notam-se sete regiões artísticas, em ordem alfabética: África oriental, Camarão, costa atlântica ocidental, costa atlântica oriental, floresta equatorial, Sudão ocidental e Zaire (RD Congo).
(1) África oriental. Do alto Nilo a Madagascar, em meio à imensa produção, destacam-se: as máscaras feitas de cabaça pelos nilóticos shilluk; relevos murais e pinturas dos bantos nuba, dos lango e acholi; as imagens toscas e alongadas de ancestrais que, sobre os túmulos, defendem os homens da castração e as mulheres da infertilidade (obra dos lango, acholi, bantos bari e longo); as cadeiras de chefe esculpidas pelos wanyamwesi, de três pés como de hábito na Tanzânia central, mas decoradas na parte posterior do alto espaldar com uma figura em relevo que é, literalmente, terrível guarda-costas; e, do mesmo grupo, as pinturas que servem de iniciação aos adoradores de serpentes.
Nas sepulturas dos mazaramo, ao redor de Dar es Salaam, encontram-se figuras caricatas, de torso esguio e membros que se articulam (traço, talvez, da presença árabe). Merecem ainda destaque a mãe mitológica dos makonde, com suas escarificações e seus botoques; as máscaras das mambunda e massubyia, tribos do século XVII submetidas à conquista dos ferozes barotse: são feitas para as danças que celebram a lua nova, têm dentes pontiagudos e folhas como cocar; e, no sul de Madagascar, entre os mahafaly e os antandroy, os finos bastões erguidos sobre os túmulos e entalhados com arabescos, meias-luas e rosetas, rodeados por animais e seres humanos (essas hastes teriam a função de ligar a terra aos céus).
(2) Camarões. Entre luxuriantes pastagens e manguezais, o planalto da região foi o ponto de convergência das culturas e sede de um poder real que prestigiou as artes e nelas se projetou. A imponência dos palácios mostra a preocupação com a pompa e a grandiosidade. O mesmo ocorre com as esculturas. Em um desses palácios, o dos bikom (encontrado em 1904), veem-se figuras humanas em tamanho natural: de pé, o rosto folheado de cobre, cabelos humanos, têm a sua frente tronos montados em cabeças esculpidas de búfalos.
Também as outras artes eram privilégio da corte, como a dos adornos de contas ou a do cachimbo de barro dos bamum, cujo fornilho é um homem de largas bochechas e gorro com desenhos que imitam a aranha, passando a ser símbolo real. São igualmente de importância na região as máscaras humanas e animais, as primeiras com as mesmas largas bochechas e os olhos arregalados, a cabeça decorada com motivos de aranha, lagarto, rã, camaleão, as últimas representando o búfalo (para as danças dos bamum no começo do período de caça) ou o elefante, para ritos funerários. São marcantes ainda as da tribo dos bacham, grupo bamileke, por seus traços cubistas.
(3) Costa atlântica ocidental. Nessa região toda de selva, da Guiné à Costa do Marfim (com exclusão do Senegal, onde o islamismo impossibilitou as artes visuais), sobressaem, entre os bijagó, tribo do arquipélago de Bijagós, na Guiné-Bissau, as cabeças bovinas, de chifres assustadores, das proas das canoas dos bijagós e suas próprias máscaras de hipopótamo; e entre os bagá e nalu, da Guiné, a enorme máscara nimbá (para ritos de fertilidade), sua aterradora máscara bandá de chifre de antílope e dentes de crocodilo, além do pássaro sagrado foho.
Na Libéria, são também máscaras, com toda a sua carga catártica, os objetos artísticos mais interessantes, especialmente as dos dan e dos kran, estas últimas terrificantes, de olhos tubulares, que imitam panteras e javalis. É ainda dos kran a representação da figura humana em pilões ou em colheres compridas com cabeça de mulher no cabo.
(4) Costa atlântica oriental. A mais rica de todas em arte, essa região inclui as savanas da Costa do Marfim, Gana, Togo, Benin e Nigéria, onde se destacam os trabalhos dos baúle com a madeira, o latão e o ouro, ou suas máscaras dedicadas aos espíritos, como a do juiz dos mortos Gbekre, figura humana com cabeça de bugio.
São de muito interesse os objetos de metal dos ashanti, desde os pesos de latão (para a pesagem de ouro em pó) que reproduzem animais e pessoas como símbolos de preceitos, situações, costumes, até tampas de caixa para guardar a alma de um morto, ilustradas por uma luta de crocodilo contra antílope.
Das mais significativas é também a arte do próspero reino dos fon: as estátuas de madeira de seus reis, e de Gu (Ogum) em tamanho natural, bem como de leões, panteras e outros animais; os enfeites de prata, os sabres e os bastões cerimoniais; e os próprios palácios de seus soberanos, de viva originalidade arquitetônica.
Restariam ainda referências às artes mitológicas e às estatuetas de ibeji dos ioruba (nagô) aos bonecos (para espetáculos ritualísticos) dos ibo e dos ibibio, estes últimos autores de aterrorizantes máscaras de demônio, às estátuas de fertilidade das tribos do rio Benuê ou à crina de suas máscaras que se inspiram em porcos-espinhos e rinocerontes.
(5) Floresta equatorial. A região se situa entre os rios Sanaga e Congo. Entre os numerosos trabalhos artísticos de seus habitantes, destacam-se as urnas de casca de árvore dos pangwe, em que depositam os ossos de ancestrais ilustres: na parte superior esculpem a figura do morto sentada, realista, com as mãos nos quadris ou na barriga, os olhos fundos. Uma subtribo desse grupo, a dos yaunde, chama a atenção por um pequeno artesanato singular: nas nozes que utilizam no jogo de azar abbia, gravam ideogramas e cenas típicas.
Já os bakwele, se distinguem por suas máscaras abstratas, brancas por dentro, contornos negros, e os bakota por guardarem o crânio do antepassado em cesto sobre o qual erguem a figura estilizada do morto, de madeira plana, mas com frisos e lâminas de latão e cobre.
(6) Sudão ocidental. Nessa região houve extensa mestiçagem. Os brancos e nômades do norte (mouros, árabes, tuaregues, etíopes, berberes), que submeteram as culturas negras agrícolas, criando reinos poderosos. As tradições resultantes, propícias à criação artística em diversos materiais - entre eles ferro e bronze-, continuam dando fama a alguns dos povos nativos, como os bambara, às margens do Níger, que trabalham o ferro em títeres, estatuetas, casais em encontro satírico ou humorístico, ídolos gêmeos. São muito conhecidas suas máscaras de antílopes, dos dois sexos, de madeira pirogravada.
Notável é a arte dos dogon, sobretudo as estátuas antigas de madeira dura, representando figuras humanas e animais, suas máscaras de hiena, antílope, pássaro, macaco, serpente, ou a de seu crocodilo mítico, kanaga, que teria levado às costas, pelo Níger, os povoadores chegados do sul. De sessenta em sessenta anos os dogon fazem uma máscara-mãe com cerca de dez metros de largura, que serve de modelo a todas as outras e, em seu sacrário, recebe sacrifícios e oferendas.
São importantes, ainda, as joias e estatuetas de bronze dos bobo, os instrumentos musicais, fetiches, esculturas dos senufo, especialmente o pássaro kono, em baixo-relevo e seu emblema, assim como as máscaras metade gente, metade animal, de tintura preta e vermelha.
(7) Zaire (RD Congo). Neste grande e populoso país a amostra é bastante rica, impondo-se logo os muitos tipos de fetiche produzidos pelos congos, as figuras de adivinhações dos yaka, as máscaras policrômicas dos holo, de mãos desmesuradas, as estátuas sobre pedestal do reino Bakuba, seus tambores, caixas, cachimbos enfeitados de animais e figuras geométricas, as figuras reais dos ndenguese, de ereto e terrível falo. Menção especial, pela originalidade dos estilos, merecem as lupfingu, estátuas tatuadas dos bena-lulua, protetoras das casas e de umbigo saltado e pescoço em anéis, as incríveis esculturas dos bena-kanioka e as dos bassongue, bem abstratas; as figuras humanas, principalmente as femininas, associadas à terra, do grupo baluba, e suas máscaras já clássicas; os objetos de marfim e os instrumentos musicais dos mangbetu; as figuras de cabeça estranhamente deformada dos ngbaka, ngbandi e ngombe.
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